quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pela janela

Todos os dias, pela manhã, ele saía de casa com seu velho agasalho e par de tênis sujo e desgastado. Aparentemente ia trabalhar. Tinha uma aparência introspectiva e reservada. Cabelos crespos e sua pele é o que chamam de pardo.

Em sua casa vivia sozinho. Seu semblante mostra ter pouco mais de trinta anos. Nunca foi visto com mulher alguma. Por ser fumante, a possibilidade de ser um religioso é ínfima. Depois de quase sete horas longe, o misterioso homem retorna a sua casa – está visivelmente exausto. Sem deixar pistas do que faz durante o dia, o homem me estimula a pensar em várias situações. O que isso tem de importância? Nada, mas a sua neutralidade cativa minha curiosidade, a de qualquer um. 

Certo dia chegou por volta das oito da noite, com sacolas – pareciam ser compras. Seus olhos indicavam uma serenidade ímpar, o que aguçava ainda mais a minha vontade de permanecer ali, estático. Seus gestos pareciam ser milimetricamente calculados. Ações como abrir e fechar a porta, sempre com a mão direita, fundamentam minha teoria.

Dias desses saiu segurando um saco preto. Com um olhar tenso, procurei enxergar o máximo que podia. Ele chegou a tomar um susto ao ver um gato que passeava pela calçada. Volta para dentro da casa e, ali, fica uns quarenta minutos. Sai, agora sem portar o tal saco preto, e corre pela rua.

Passados dois dias escuta-se um estrondo – vem de sua casa. Vejo-o sair ainda mais perturbado. Sua emoção era tanta, que acabou por tropeçar em uma pedra, quase o levando à queda. Naquele dia abriu a porta com a mão esquerda. Algo estava para acontecer. Entrou em sua casa e não saiu mais.

Tempo depois uma ambulância e carros da polícia pararam em frente sua casa. Adentraram e, minutos depois, saíram com o homem deitado sobre a maca. Aparentemente estava sem vida. O descontrole e o sentimento de ser cúmplice de 'alguma coisa' passou a fazer parte de mim. Decidi, então, nunca mais olhar pela janela.

5 comentários:

Kelly Passos disse...

Belíssimo texto

vc estah se superando

bjos

Marcio Brigo disse...

Oh cotidiano maldito.
O fato é que temos tanta curiosidade sobre o que nos cerca, mas não nos damos o trabalho de nos envolver com as pessoas.

O simples cotidiano é tão rico para temas.

Simples, direto, mas nem por isso deixa de ser Fantástico!

Adorei.

Unknown disse...

VC É BOM NISSO...
MUITO BOM...
VAMO TOMA UMA BREJA, PARA DE ESCREVER E VAMO BEBE PRA ESQUECR OS POBREMA...RS
ABS

Anônimo disse...

Olá Glauber,
De repente até eu senti culpa por apenas ter assistido.

abraços,
Paula

Anônimo disse...

E ai Glaubito?

Confesso que cheguei a duvidar do seu talento como escritor, mas depois de ler este texo sou obrigado a me curvar!

Parabéns, você nasceu com uma bico de pena na alma.

Abraço Du