terça-feira, 20 de março de 2018

Sabedoria de um homem enfurecido

“O que ele estava fazendo a essa hora na rua?”, esbravejou. “Tem mais é que morrer mesmo!, sentenciou o homem de meia idade durante uma discussão com sua companheira a respeito de um tiroteio que acabara de acontecer perto de sua residência. Contrariada, Márcia bem que tentou argumentar. Sem sucesso.

O homem, que já não aguentava tanta violência, continuou a disparar insultos sobre o caso que sequer presenciou. Banalizou de tal maneira a vida que, para ele, a morte por meios duvidosos havia se tornado normal.

Foi até o portão para saber se ainda havia movimento na rua e deu de cara com o breu da avenida sem iluminação. Regressou, passou no quarto, pegou a toalha e foi tomar seu merecido banho. Não antes sem resmungar pela última vez. “Perdi muito tempo falando de vagabundo. Vou tomar meu banho que amanhã eu pego cedo no trabalho”. 

O relógio na parede da cozinha apontava 25 pra onze, quando seu telefone toca. Ele atende a ligação de um número desconhecido. “Tudo bem, estou indo aí”. Dirige-se ao quarto, coloca uma bermuda, uma camiseta e calça seu tênis. Se empossa da carteira e sai apressado. “Marcia, vou à casa de minha mãe e já volto!”. E sai em rompante colocando o portão contra o batente em velocidade atroz.

Horas depois sem saber notícias, Márcia tenta, sem sucesso, ligar para seu marido. O telefone até dá sinal do outro lado, mas a ligação finda na caixa postal. Márcia, então, se dirige ao quarto, coloca um shorts, uma camiseta e calça seu tênis. Se empossa da bolsa e sai apressada em direção à casa da sogra.

Ao se aproximar do seu destino, a mulher percebe uma movimentação maior do que o normal para aquele horário - já passava das duas. Pessoas reunidas e, ao que deu pra contar, seis viaturas da polícia.

Aperta o passo.

Saiu desviando das pessoas como quem está perdida em uma mata fechada. Já próxima ao local reconhece o marido pelo tênis sujo e já gasto.

Coração pulsa mais forte.

Já com a respiração oscilante, influenciada pela adrenalina, a mulher se desespera ao ver seu companheiro deitado de bruços na calçada. Pior, Marcia se dá conta que está presenciando um velório a céu aberto. Lucas, seu cunhado de 18 anos, foi confundido com um traficante e levo 4 tiros de um policial "desavisado". 

Sérgio, companheiro de Marcia, por sua vez, chora a morte do “vagabundo” que chegava tarde em casa depois de ter pegado cedo no trabalho.  

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